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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Os Estabelecidos e os Outsiders de Norbert Elias e Jonh Scotson

Tenho tanto sentimento

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa
Análise 
Os Estabelecidos e os Outsiders de Norbert Elias e Jonh Scotson é um livro que dispõe de um conteúdo amplo a respeito das relações de poder  entre os indivíduos de uma cidade do interior da Inglaterra, em que se atribui um nome fictício de Winston Parva..

Winston Parva fazia parte de uma área de construções suburbanas, aos arredores de Londres, Inglaterra. Dividia-se em zonas 1, 2 e 3.

Na zona 1 prevalecia a Elite, a zona 2 centrava a maioria das fábricas, bem como toda uma rede estrutural: hospitais, escolas, creches, igrejas, etc. Possuía uma comunidade operaria.

A zona 3, apesar de também possuir uma comunidade operaria, esta era formada por toda sorte de imigrantes e refugiados de guerra.

A zona 1 e a “aldeia”, como era conhecida a zona 2, tinham 80 anos de fundação, enquanto a zona 3, apenas 20.

As duas primeiras zonas tinham um laço de parentesco muito intenso, o que possibilitou o estabelecimento de uma vida social, sendo estes ditadores e mantenedores das regras e costumes da comunidade e  suas tradições, chamados de Estabelecidos, estes se julgam superiores aos outros que não fazem parte do seu meio.

Aos que se recusassem a aceitar e a se submeter aos hábitos comunitários e a essas regras, eram tidos como imorais, exclusos, outsiders. Os outsiders eram inferiorizados, estigmatizados.

Essa estigmatização não pode ser vista como uma ação de valores individuiais, pois a criação desses padrões tem uma ligação com a do próprio quadro social, ou seja, a formação da comunidade, sua forma de controle social e de sustentação do poder através das tradições, normas, regras e costumes.

Para compreender essas relações de poder entre estabelecidos e outsiders, é necessário recorrer ao histórico dessa cidade para assim refletir acerca de suas regras, costumes e normas.

Vale ressaltar que a posição do atual grupo estabelecido passou pelo mesmo processo de rejeição, uma vez que estes ao chegarem em Winston Parva  tentaram estabelecer contato e não conseguiram, neste momento ficou perceptível para estes que os moradores da aldeia naquele momento se julgavam superiores, vendo nos recém-chegados uma ameaça. O grupo estabelecido foram outsiders, porém transfomaram-se em estabelecidos reproduzindo a tradição daquela comunidade.

Moradores das primeiras zonas freqüentavam os mesmos locais: associações, grupos comunitários e religiosos, clubes, entre outros e, ao mesmo tempo, criavam uma barreira de não aceitação de integração para com os moradores da zona 3.

A aldeia possuía uma sociedade matriarcal, na qual maridos, filhos, genros, se submetiam aos mandos e desmandos da “mamãe”, sogra, avó. Como faziam quase todas as atividades juntos, esses habitantes criaram um laço de interdependência mutua. Tinham orgulho de morar naquele local porque todos seguiam os mesmos padrões e isso lhes trazia o sentimento de serem melhores que as outras famílias da zona 3, sendo freqüente a rejeição e desmoralização para com estes, que se estendiam por meio de um “circuito de fofocas”, tendo como efeito a discriminação e repulsa, o que caracterizava a visão e primeiros ensinamentos das crianças do local, que cresciam sob esta redoma.

O indivíduo está inserido numa dada sociedade e será o reflexo dessa sociedade, internalizando padrões, valores, adquirindo uma identidade social que se forma acerca das relações sociais, dos contatos que estabelecem desde o nascimento.

A classificação como “superiores” colocados pelos estabelecidos é transferida de pais para filhos, afetando o desenvolvimento da personalidade destes, sobretudo sua auto-imagem e seu respeito próprio. Estes indivíduos desenvolveram-se como sendo superiores por natureza. O status era comunicado aos filhos de diversas maneiras, através da palavra, gestos e tom de voz, contribuindo para moldar a consciência que eles tinham de se mesmo desde cedo.

A família desempenha um papel central em todos os setores da vida comunitária de Winston Parva criando barreiras sólidas entre estabelecidos-outsiders.

Os estabelecidos muitas vezes conseguem impor aos recém-chegados  a crença de que estes são inferiores, não apenas em termo de poder, mas por natureza. É essa internalização depreciativa que reforça vigorosamente a superioridade e a dominação do grupo estabelecido numa relação de interdependência.

Os moradores da zona 3 muitas vezes se revoltavam, mas aceitavam a situação de subjulgados, ao passo que suas famílias eram reservadas, não interagiam umas com as outras, o que barrava a atuação da fofoca. Por conta dessa individualização havia grande incidência de problemas, conflitos e brigas. Seus habitantes tinham desgosto de morar naquele local, dessa forma, prevalecia a desestrutura e desorganização, o que os enfraquecia enquanto pertencentes da mesma Winton Parva.

A condição que é atribuída aos outsiders se caracteriza primordialmente pelo desrespeito, estigmatizando-os socialmente através da coisificação.

É interessante enfatizar que as relações estabelecido-outsiders não se configura através das diferenças de raça, etnia, mas o simples fato de serem moradores de três gerações, enquanto que os moradores da zona 3 são recém-chegados. O grupo estabelecido vivencia as diferenças  como um fator de irritação, em parte porque o cumprimento das normas está ligado ao amor próprio, às crenças carismáticas de seu grupo,ou seja, a não observância dessas normas por terceiros enfraquece sua própria defesa, ameaçando seu status, seu poder.

A questão que o autor referencia é a de saber, como e porque os indivíduos percebem uns aos outros como sendo pertecentes a um mesmo grupo incluindo-se dentro de fronteiras grupais que estabelecem o dizer “nós”, ao mesmo tempo exclui os outros como “eles”.

Atualmente os indivíduos criados com uma rigidez particular de visão de conduta, como era o caso de Winston Parva, tem uma identidade social atribuída a tais relações, limitando-se a reproduzir  valores que estes entendem como certos.

A pesquisa feita no interior da Inglaterra se deu no séc. XIX, ou seja, a mobilidade social naquela época era muito pequena, assim os indivíduos nasciam, desenvolviam-se e morriam naquela comunidade. Em contraposição no séc. XX temos uma sociedade mutável, com uma mobilidade social enorme devido a globalização, a tecnologia.

A pesquisa feita pelos autores traz uma reflexão profunda acerca das tradições e de como estas influenciam e ditam o comportamento dos indivíduos. As pessoas de Winston Parva nasciam inseridos num contexto social  em que tinham papeis a desempenhar, para assim manter e reproduzir as tradições. As supostas diferenças que eram colocadas pelos outros grupos, caracterizavam-se como ameaça as relações de poder, ao controle social e a hierarquia. Podemos referenciar que o comportamento dos estabelecidos de Winston Parva se efetiva pela  naturalização dos valores  tidos como certos.

Analisar este livro nos fez perceber o quanto nos caracterizamos como estabelecidos e outsiders, uma vez que somos formados por subjetividades adquiridas ao longo de nossa vida, no qual internalizamos valores . Ora nos encontramos num posicionamento superior e outro como excluídos, seja qual for a situação: numa exclusão grupal de faculdade, na escolha de determinada colega em fazer uma prova escrita ou então no julgamento antecipado de uma pessoa que você não conhece. A todo momento  iremos nos deparar com diferenças, com escolhas que não atendam aos nossos desejos e temos nesse exato momento respeitar a opção do outro.

Pensarmos numa sociedade completamente igual, na maneira de agir, de pensar, de falar, de vestir, sempre igual nada de novo, como seria?  Será possível pensar nessa possibilidade?

Vale ressaltar que quando os indivíduos questionam-se sobre determinados assuntos, sobre sua postura, analisando o lado do outro, assumi-se uma postura mais ponderada, pois nos colocamos no lugar do outro.

Um fenômeno que referencia o que os autores abordam no livro trazendo para o séc. XXI, são as tribos que não se adequam ao sistema capitalista,  aos padrões que escravizam, que robotizam os indivíduos deixando-os cegos pelo ter e não pelo ser.

Um exemplo bem claro desse fenômeno de exclusão se evidencia nas tribos dos góticos e dos andrógenos, o interessante é que não tem nada de diferente a não ser as roupas escuras, a maquiagem pesada, o agir despojado, e daí? A ética é absolutamente invejável, a centralidade e a mente aberta são admiráveis. Estigmatizar, inferiorizar, quem somos nós, se não indivíduos  contraditórios que não nos conhecemos e  que temos uma identidade moldada pela sociedade .  Então questionei-me,o que faz pensar os ditos “normais” a se sentirem melhores? Não cabe depois de uma leitura tão rica julgar o comportamento dos que se julgam melhores e sim compreender que estes são inseridos e cresceram numa sociedade no qual internalizaram valores como certos, como naturais  tendo assim uma visão limitada e pobre sobre o respeito.

É lamentável constatar que em pleno séc.XXI  reproduzimos valores discriminatórios e excludentes. O que se subentende é que somente seguindo os padrões de um grupo ou comunidade, é possível estabelecer uma convivência harmônica, ainda que alienada. Nesse tocante, prevalecerá sempre as formas de manipulação e controle social da classe dominante, sendo essa a maneira de se relacionar em sociedade.  

 A sociedade deve conviver com a diferença, respeitando a opção e a orientação de cada um.

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